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15.2.04

«Missão Etognósica de Moçambique» -5: lobolo e Concordata. 
Gonçalves Cota, o chefe da «Missão Etognósica de Moçambique» (ver posts anteriores) interpretava o lobolo como sendo um negócio, com efeitos degradantes para a mulher, opinião totalmente divergente da de Joaquim Nunes, um alto quadro da administração colonial de Moçambique que vinha, por esses anos, publicando matérias referentes à gestão da «questão indígena»:
«A concepção e o significado jurídico que formamos do costume do lobolo, concordando com a opinião de grande número de europeus dedicados ao estudo dos usos e costumes indígenas, (...), é que êle representa grandes vantagens sob o ponto de vista moral da constituição e estabilidade da família. E por isso, é uma instituição que, até mesmo dentro dos princípios da doutrina cristã e abstraindo das práticas do ritual pagão que a acompanham, pode ser tolerada, porque não é mais do que um facto jurídico que precede o acto próprio do casamento, figurando como um acto de escritura antenupcial, de forma a garantir direitos e deveres ao homem, à mulher, aos filhos e a certos parentes das respectivas famílias», [1936, «Costumes gentílicos – o lobolo», in Moçambique – Documentário Trimestral, n.º 8, Lourenço Marques].
Se levarmos em consideração a circunstância, evocada por Nunes em 1936, de que no sul da colónia mais de 90% dos casos de disputa de direito civil apresentados aos funcionários coloniais estavam relacionados com o lobolo, uma interpretação tão divergente da de Cota não seria a mais adequada para facilitar a jurisprudência na apreciação desses casos, tanto nessa altura, como no futuro da época colonial e até a uma data relativamente tardia.
Em 1947, o Chefe da Repartição Central dos Negócios Indígenas submetia à apreciação do Governador-Geral, uma série de participações administrativas provenientes das Circunscrição dos Muchopes (distrito de Inhambane), nas quais eram arguidos diversos padres de três missões que operavam naquela circunscrição administrativa. Em comum, os arguidos eram acusados de, contrariando as disposições legais sobre o lobolo [mormente o Decreto n.º 35 461, de 22 de Janeiro de 1946], interferirem no casamento entre «indígenas», proibindo veementemente a prática do lobolo sempre que pelo menos um dos nubentes era considerado católico. Para atestar da gravidade das interferências dos missionários, o Chefe da Repartição Central dos Negócios Indígenas acaba por propor o afastamento do Superior da Missão de S. Benedito dos Muchopes. A multiplicação de casos desta natureza, com a interferência constante de padres católicos, levou a que em 1953 a Repartição Central dos Negócios Indígenas remetesse a todas as circunscrições administrativas uma informação sobre procedimentos a tomar nos casos de casamentos entre «indígenas cristãos e não cristãos». Leite Pinheiro, o intendente da Repartição que assina a informação, embora reconhecendo que nada na lei então em vigor facultasse a intervenção do pessoal administrativo em casos dessa natureza, evocando o princípio de que ao administrador caberia reprimir todos os actos bárbaros, concluía que «se não se pode evitar que A case com B, pode-se obstar a tal acto, dada a situação de tutelados peculiar dos indígenas: os baptizados têm que ser defendidos dos perigos do regresso ao paganismo». Este «expediente» seria, de todo o modo, invalidado pelo despacho do Governador Geral Gabriel Teixeira, proibindo o pessoal administrativo de intervir «no foro íntimo das pessoas» [«Despacho do Governador Geral, de 31 de Dezembro de 1953»]. Quer este Despacho de 1953, quer a Informação do Chefe da Repartição Central dos Negócios Indígenas, de 1947, constituem peças excepcionais por parecerem contrariar assumidamente o espírito da «Concordata» assinada entre o Estado Novo e o Vaticano, a 7 de Maio de 1940.

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